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OPINIÃO: Branquidão

Em tempos bicudos, para se dizer o mínimo, em que somente o que nos agrada é digno de audição, que dirá atenção, foi logo uma leitura que jamais me agradou que me ocorreu em reflexão ao que tenho assistido ultimamente. Me refiro a José Saramago, a quem li mais por grife do que por apreciação literária e que, pelo português estranho ao que eu já parcamente conheço, pela semântica estrangeira quase incompreensível para mim, sempre considerei, data vênia, chato, mais pela dificuldade que encontrei em lê-lo, do que pela qualidade indiscutível de seu escritos.

Logicamente, o problema sou eu, não o premiado autor. E nas reminiscências a propósito do "Ensaio sobre a Cegueira" encontrei a forma e a matéria para retratar, ao menos intimamente, modo romanceado por óbvio, o estado coletivo de nossas vivências, atitudes, perspectivas, futuros, quem sabe até preços a serem pagos. Quanta aptidão do escritor para antever possibilidades sociais, quando deu à patologia coletiva que fundamenta estória narrada, a branquidão visual causadora da cegueira repentina e infundada que acometeu a população. Enquanto o cego comum vê o breu, o de Saramago nada via, de tanta luz a lhe tolher a visão. A deficiência visual pelo autor idealizada não tinha explicação, gênese identificável, tampouco causa presumível, sendo, no entanto, contagiosa e irrefreável, sem distinguir classe social, raça, credo, endereço, ocupação ou mesmo sobrenome.

Dos casos isolados, perpassando a grupos cada vez maiores que no princípio segregados para o conforto e segurança da maioria em vã tentativa de isolamento da doença, até o acometimento de todos da comunidade fabulada, as necessidades e impossibilidades absolutas e unânimes revelaram a que ponto homens e mulheres podem chegar quando na obrigação de lutar pela sobrevivência em condições indignas. Mas se ao incauto pode parecer que a mensagem, ao menos por mim recebida trouxe somente demonstração do tanto quanto podem homens, mulheres e crianças em desespero e medo, individuais e coletivos, mesmo à custa das liberdades e vidas alheias, veio também, elevar como forma de superação a fraternidade.

Lembro-me de ler que, quando todos, sem exceção, cegados pela luz branca inexplicável vagavam pelas ruas da cidade depauperada, eram obrigados a irmanarem-se com quem jamais conheceram e as urgências das situações, que, a todos, obrigava a mínimo consenso. Em algum lugar, certamente em entrevista, eu lembro, José afirmou que sua obra era um chamamento à responsabilidade de cada pessoa pelas consequências de atitudes insignificantes, mas que, inexoravelmente, refletiam e alteravam realidades de todos. Livro chato, de que tenho lembrado, por medo da cegueira iluminada que só faz crescer. Se correto o escritor, para alento deste seu leitor, o respeito e a união curarão a tudo logo ali, nas páginas adiante.

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